Foi com muita revolta q li vossa matéria de quinta-feira, 26 de fevereiro último, no caderno Cotidiano, sobre as chuvas em SP, matéria q me leva agora a denunciar publicamente a prefeitura desta cidade. São absurdos os desmandos, favoritismos e arbitrariedades desta administração no desempenho de suas atribuições supostamente democráticas. Tenho uma horta em meu quintal e dela tiro grande parte dos alimentos para minha família de 5 pessoas. Igual a mim, dezenas de milhares de moradores nas periferias têm hortas familiares; muitos desses horitcultores chegam a usufruir de seus produtos comercialmente. E não é preciso nenhum diploma universitário para saber que os horticultores precisamos de chuva regularmente. Ora, ¿que direito tem a prefeitura de enviar chuvas exclusivamente para trens e trânsito? ¿que prepotência avassaladora, que corrupção inominável leva um administrador público a arbitrar sobre a chuva – um recurso cada vez mais escasso – e privilegiar tão descaradamente um setor da comunidade, setor este q reconhecidamente polue, incomoda e atrasa a vida de todos, até mesmo sem a chuva? ¡Chega de conchavos com chuva! ¡Toró para todos, já!
Rodoanei Vialho
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Numa cultura de desmandos e arbitrariedades, um jornal q se diz "de rabo preso com o leitor" encampou alegremente a imbecilidade sangue-de-barata da reforma ortográfica 2009 e se expõe ao ridículo-mor q a escrita duma língua pode alcançar: qdo, pra evitar mal-entedidos, a *ORTOGRAFIA* obriga o escritor a dizer algo diferente do tencionado.
A ciência e a religião jamais vão dialogar. A ciência conta e a religião fala. A primeira lida com uma quantidade infinita de números e a segunda com um vocabulário limitado de palavras.
Já ouço alguém dizendo q, como cada um lida com um aspecto humano, então ambos são necessários. Sorry, mas a segunda não é o único assunto humano q lida com palavras; e suas limitações vocabular e temática indicam q ficam de fora a maior parte do vocabulário existente e das temáticas possíveis. A religião é na verdade um assunto pequeno na vida, mesmo dos crentes, e é justamente por isso q se lhe atribue uma importância indevida, gerando chatonildos e fanáticos.
Se vc tem um produto e quer q o Dr Plausível compre, não anuncie. Nosso erviço doutor não acredita em anúncio. A lógica é implacável: se uma firma precisa anunciar seu produto, é pq não tá vendendo bem; se não tá vendendo bem, ou é pq o produto é ruim ou é pq é exorbitante. Mas se um ramo de indústria está regulado por normas, os produtos não devem diferir muito entre si em qualidade. Então – já q quem paga pelo anúncio acaba sendo o consumidor – é preferível comprar de quem anuncia pouco.
Sesdias, nosso educante humanista esteve em Brasília pra dar consultoria a uns auditores das contas do senado, e foi de avião. Desta vez, ele decidiu ir de Ocê é a Nair. Ida e volta por R$286 – mais barato q a Gol e bem mais barato q a Tam. Tinha espaço de sobra pra esticar as pernas, comeu um lanchinho quente bem decente, os vôos não atrasaram, &c. ¿Sabe quando o Dr Plausível vai voar novamente de Gol ou Tam, q espalham anúncios por aí q nem moscas? Nunca.
Sabendo q eu acharia exagero, o doutor tirou umas fotos no aeroporto de Brasília pra provar sua lógica. Olha o check-in da Ocê é a Nair:
Note a data, o dia de Natal. Agora olha a fila de gente pro check-in da Tam:
E não é pq era em Brasília: a partida de São Paulo foi a mesma maciota.
Passagem barata, check-in rápido, vôo sem atraso, poltrona espaçosa e lanchinho quente são coisas q esse pessoal crédulo, hipoplausibilético, bobo-de-marca, não conhece – essencialmente pq não distingue a diferença entre anúncio e produto.
A propaganda e o marketing podem ser ferramentas utilíssimas pra mostrar à comunidade quais marcas evitar.
Tigamente, anúncio de rádio – embora curto e grosso – tinha uns floreios do recém-descoberto sonho de consumo:
"Para se lavar da prole, use o bidê Ragnoli."
Hoje é diferente. Não há mais sonho de consumo; há devaneios de poder. Sesdias, nosso estuoso doutor ouvia alegremente seu radinho de pilha, qdo foi tomado de súbito não-poder – não-poder respirar de tanto esguarunfralhar a púncia às lágrimas. Haja fôlego pra rir, viu.
Imagine q a língua da vez fosse o tosquês. Aí vc – abjetamente ignorante de qqer toscância exceto "Ro mum trwiflo?" e o prático "Nupo qwerty!" – ouve no rádio um anúncio mais ou menos assim:
voz 1: Icos um ruvol aigla ipugi? voz 2: Jusa... nofa? voz 1: Jolfra tibu unbo? voz 2: Glopi gwiba... nofa...? voz 1: Lortomusdwiba ruvol mum broituban? voz 2: Am... am... am..... locutor: Se tua última entrevista de emprego foi assim, ¡tá na hora de estudar tosquês na Qwerto! Qwerto, o tosquês esperto.
Qual é tua reação? Obviamente vc salta da cadeira e vai direto se matricular na Qwerto, né? Afinal, vc não entendeu nada, entendeu? Então.
HAHAHAHAHA
Ô miasarma.
Pois é assim mesmo q o Seulépi tá anunciando curso de ingrês no rádio. Incrível, né? Sim, pq não sei se vc percebeu, mas a última fala da voz 1 tem um erro gritante, inspirado no anúncio do Seulépi, em q a última fala do entrevistador é:
Where do you see yourself three years now?
HAHAHAHAHAHAHA
Meu. Diga a verdade, dona-de-casa, ¿não é de esguarunfralhar a púncia? Os caras fazem anúncio numa língua q o público-alvo não entende e ¿ainda deixam passar uma gafe dessas? Ou seja, pro ouvinte q não sabe ingrês, o anúncio não quer dizer nada; pra quem sabe, o Seulépi se estrépi.
Toda editora deveria ter um Ambulatório Plausibilógico. Há anos q nosso epacmástico doutor faz lobby em Brasília pra obrigatorizar o AP, mas esse é o tipo de coisa q só acontece no Brasil depois q os Euá tomam a iniciativa. Quando o hipoplausivírus ataca um paciente saudável, o Dr Plausível entra em atendimento de urgência. Como poucas editoras têm AP, quase nunca dá pra evitar o estrago: qdo vê, o paciente já foi prà editora, já foi publicado, já tá à venda, já foi comprado. Foi o caso dessa tradução do Happy Prince de Oscar Wilde publicada no Brasil pela Ediouro.
Conforme prometido, reproduzo abaixo alguns trechos coletados meio a esmo do primeiro conto do livro, The Happy Prince, pra dar uma pequeníssima amostra do resultado da decisão editorial de tirar dos olhinhos de brasileirinhos a oportunidade de se encantar com palavras, de se intrigar com significados, de suspeitar uma inteligência maior q a dum Cebolinha. Tá: em inglês, há várias versões simplificadas desse conto; só q tem o original, né?
Alguns avisos: • O primeiro parágrafo é só pra vc ter uma idéia do q se trata. • Os trechos sublinhados no original indicam o q foi cortado/mutilado. • As interrogações entre colchetes na tradução indicam os pontos onde a graça do original foi cortada/mutilada; exclamações indicam uma rasteirização particularmente dolorosa. • Os trechos em negrito na tradução indicam os pontos em q o tradutor viajou na maionese.
Entre outras coisas, note: • A despoetização; por exemplo, veja o segundo trecho. • A pauperização; por exemplo, na remoção sumária de referências culturais e geográficas. • A retardização; por exemplo, na explicação do q no original está implícito e na supressão dos subentendidos irônicos. • A rasteirização geral; por exemplo, em vez de dizer "professor de ornitologia", a tradução prefere "professor entendido em aves"; se a criança não ouve a palavra em casa e o livro não quer ensinar, aí fica difícil, né?
High above the city, on a tall column, stood the statue of the Happy Prince. He was gilded all over with thin leaves of fine gold, for eyes he had two bright sapphires, and a large red ruby glowed on his sword-hilt.
Na parte mais alta da cidade, havia uma coluna em cujo topo ficava a estátua do Príncipe Feliz. Era toda coberta de finas folhas de ouro; os olhos eram duas safiras brilhantes e um enorme rubi enfeitava o punho da espada.
(...)
“He looks just like an angel,” said the Charity Children as they came out of the cathedral in their bright scarlet cloaks and their clean white pinafores. “How do you know?” said the Mathematical Master, “you have never seen one.” “Ah! but we have, in our dreams,” answered the children; and the Mathematical Master frowned and looked very severe, for he did not approve of children dreaming.
Um menino do orfanato [?] achou que o príncipe parecia um anjo, para grande espanto do professor de matemática: – Como assim? Você nunca viu um anjo! Respondeu que sonhava com os anjos; o professor fechou a cara, pois não gostava que os meninos sonhassem.
(...)
One night there flew over the city a little Swallow. His friends had gone away to Egypt six weeks before, but he had stayed behind, for he was in love with the most beautiful Reed. He had met her early in the spring as he was flying down the river after a big yellow moth, and had been so attracted by her slender waist that he had stopped to talk to her.
Uma noite, chegou à cidade uma andorinha. Há seis semanas que suas companheiras, fugindo ao frio, tinham voado para as terras quentes do Egito; ela se atrasara por estar apaixonada pela beleza dum caniço, [?] encontrado ao acaso, quando perseguia no rio uma borboleta amarela [?].
“Shall I love you?” said the Swallow, who liked to come to the point at once, and the Reed made him a low bow. So he flew round and round her, touching the water with his wings, and making silver ripples. This was his courtship, and it lasted all through the summer. “It is a ridiculous attachment,” twittered the other Swallows; “she has no money, and far too many relations”; and indeed the river was quite full of Reeds. Then, when the autumn came they all flew away.
– Você quer ser meu namorado? – perguntou a andorinha, que nunca perdia tempo com muita conversa. O caniço concordou, inclinando-se com elegância. Ela ficou esvoaçando em torno dele, fazendo ondulações prateadas na água com as pontas das asas. [?] – Que namoro mais bobo! – exclamavam as outras andorinhas. [?!?]
After they had gone he felt lonely, and began to tire of his lady-love. “She has no conversation,” he said, “and I am afraid that she is a coquette, for she is always flirting with the wind.” And certainly, whenever the wind blew, the Reed made the most graceful curtseys. “I admit that she is domestic,” he continued, “but I love travelling, and my wife, consequently, should love travelling also.”
Quando as amigas partiram, [?] a andorinha começou a enjoar-se do namorado: – Este caniço nunca diz uma palavra! Além do mais, é bem possível que ele esteja também de namoro com a brisa. [?!?] Ainda por cima, quero casar-me com alguém que adore viajar.
“Will you come away with me?” he said finally to her; but the Reed shook her head, she was so attached to her home. “You have been trifling with me,” he cried. “I am off to the Pyramids. Good-bye!” and he flew away.
Um belo dia, cansada daquela vida, perguntou ao caniço: – Você vai ou não vai comigo para o Egito? Muito apegado à terra natal, ele disse não com a cabeça. A andorinha não gostou: – Quer saber duma coisa? Você não me serve. Vou visitar as pirâmides do Egito. Adeus!
(...)
All day long he flew, and at night-time he arrived at the city. “Where shall I put up?” he said; “I hope the town has made preparations.” Then he saw the statue on the tall column. “I will put up there,” he cried; “it is a fine position, with plenty of fresh air.” So he alighted just between the feet of the Happy Prince.
Voou um dia inteiro e chegou à cidade, [?!?] instalando-se aos pés da estátua do Príncipe Feliz.
“I have a golden bedroom,” he said softly to himself as he looked round, and he prepared to go to sleep; but just as he was putting his head under his wing a large drop of water fell on him. “What a curious thing!” he cried; “there is not a single cloud in the sky, the stars are quite clear and bright, and yet it is raining. The climate in the north of Europe is really dreadful. The Reed used to like the rain, but that was merely her selfishness.”
– Que beleza o meu quarto dourado! [?] Quando ia enfiando a cabeça debaixo da asa para dormir, caiu-lhe em cima uma grossa gota d’água. – Que coisa esquisita! – exclamou. – Está chovendo com o céu todo estrelado! Que clima horrível! [?]
Then another drop fell. “What is the use of a statue if it cannot keep the rain off?” he said; “I must look for a good chimney-pot,” and he determined to fly away. But before he had opened his wings, a third drop fell, and he looked up, and saw - Ah! what did he see?
[?!?] Já abria as asas para sair dali, quando caiu uma outra gota. Olhou para cima e viu... Ah, imaginem só o que viu a andorinha?
The eyes of the Happy Prince were filled with tears, and tears were running down his golden cheeks. His face was so beautiful in the moonlight that the little Swallow was filled with pity. “Who are you?” he said. “I am the Happy Prince.” “Why are you weeping then?” asked the Swallow; “you have quite drenched me.”
Os olhos do Príncipe Feliz estavam cheios de lágrimas, e lágrimas corriam-lhe pelas faces de ouro. Era tão bonito o rosto dele, à luz do luar, que a andorinha se sentiu comovida. – Quem é você? – Sou o Príncipe Feliz. – Se é feliz por que está chorando? Estou toda molhada!
“When I was alive and had a human heart,” answered the statue, “I did not know what tears were, for I lived in the Palace of Sans-Souci, where sorrow is not allowed to enter. ... My courtiers called me the Happy Prince, and happy indeed I was, if pleasure be happiness. So I lived, and so I died. And now that I am dead they have set me up here so high that I can see all the ugliness and all the misery of my city, and though my heart is made of lead yet I cannot choose but weep.” ... “Far away ... in a little street there is a poor house. One of the windows is open, and through it I can see a woman seated at a table. Her face is thin and worn ... In a bed in the corner of the room her little boy is lying ill. He has a fever, and is asking for oranges. His mother has nothing to give him but river water, so he is crying. Swallow, Swallow, little Swallow, will you not bring her the ruby out of my sword-hilt? My feet are fastened to this pedestal and I cannot move.”
– Quando eu era vivo – respondeu a estátua – tinha coração de gente. Nem sabia o q era choro, pois morava no Palácio da Boa Vida, onde a tristeza era proibida de entrar. ... Chamavam-me de Príncipe Feliz. E eu era realmente feliz, se é q se pode dar o nome de felicidade às coisas boas da vida. Assim vivi e assim morri. Depois de morto, colocaram-me aqui no alto, de onde posso ver todas as misérias da minha cidade. Mesmo com um coração de bronze, não consigo reter as lágrimas. ... Lá longe, num beco, há um casebre. Pela janela aberta, vejo uma pobre mulher, a face magra e cansada ... Na cama a um canto, o filho doente pede à mãe uma laranjada. Ela só tem para dar a água q apanha no rio. Andorinha, minha boa andorinha, será q você podia levar para aquela mulher o rubi da minha espada?
“I am waited for in Egypt,” said the Swallow. “My friends are flying up and down the Nile, and talking to the large lotus-flowers. Soon they will go to sleep in the tomb of the great King. The King is there himself in his painted coffin. He is wrapped in yellow linen, and embalmed with spices. Round his neck is a chain of pale green jade, and his hands are like withered leaves.” “Swallow, Swallow, little Swallow,” said the Prince, “will you not stay with me for one night, and be my messenger? The boy is so thirsty, and the mother so sad.”
– Estão me esperando no Egito. Minhas amigas já estão a passear pelo rio Nilo. [?!?!?] Não posso me demorar mais. – Andorinha, andorinha, fique comigo uma noite; seja a minha mensageira. O menino está ardendo de febre e a mãe dele está morrendo de infelicidade!
(...)
When day broke he flew down to the river and had a bath. “What a remarkable phenomenon,” said the Professor of Ornithology as he was passing over the bridge. “A swallow in winter!” And he wrote a long letter about it to the local newspaper. Every one quoted it, it was full of so many words that they could not understand.
Mal amanheceu, voou para o rio e tomou um banho. Um professor entendido em aves, que atravessava a ponte, parou espantado: – Que raro fenômeno! Uma andorinha no inverno! – E escreveu ao jornal uma carta, contando o acontecimento, mas com palavras tão difíceis que ninguém entendeu nada: por isso mesmo, foi muito elogiado.
(...)
“Swallow, Swallow, little Swallow,” said the Prince, “will you not stay with me one night longer?” “I am waited for in Egypt,” answered the Swallow. “To-morrow my friends will fly up to the Second Cataract. The river-horse couches there among the bulrushes, and on a great granite throne sits the God Memnon. All night long he watches the stars, and when the morning star shines he utters one cry of joy, and then he is silent. At noon the yellow lions come down to the water’s edge to drink. They have eyes like green beryls, and their roar is louder than the roar of the cataract.” “Swallow, Swallow, little Swallow,” said the Prince, “far away across the city I see a young man in a garret. He is leaning over a desk covered with papers, and in a tumbler by his side there is a bunch of withered violets. His hair is brown and crisp, and his lips are red as a pomegranate, and he has large and dreamy eyes. He is trying to finish a play for the Director of the Theatre, but he is too cold to write any more. There is no fire in the grate, and hunger has made him faint.”
– Andorinha, minha boa andorinha, passe mais uma noite comigo. – Estou sendo esperada no Egito. Amanhã, minhas amigas vão visitar uma cachoeira, perto do lugar onde há hipopótamos e leões. [?!?!?] – Andorinha, lá longe vejo um rapaz [?] debruçado sobre a mesa cheia de papéis. Tem uns olhos grandes e sonhadores. Quer terminar a peça de teatro que está escrevendo, mas o frio impede que ele contiue o trabalho. [?] Vai desmaiar de fome daqui a pouco.
(...)
But at last he knew that he was going to die. He had just strength to fly up to the Prince’s shoulder once more. “Good-bye, dear Prince!” he murmured, “will you let me kiss your hand?”
Uma tarde, sentindo q ia morrer, mal teve forças para voar pela última vez aos ombros do Príncipe. – Adeus, querido príncipe – murmurou. – Quero beijar a sua mão.
“I am glad that you are going to Egypt at last, little Swallow,” said the Prince, “you have stayed too long here; but you must kiss me on the lips, for I love you.” “It is not to Egypt that I am going,” said the Swallow. “I am going to the House of Death. Death is the brother of Sleep, is he not?”
– Fico feliz de saber q você vai afinal para o Egito. [?] – Não é para o Egito q eu vou. Vou para o País da Morte. A Morte é irmã do Sono, não é?
And he kissed the Happy Prince on the lips, and fell down dead at his feet. At that moment a curious crack sounded inside the statue, as if something had broken. The fact is that the leaden heart had snapped right in two. It certainly was a dreadfully hard frost.
Beijou o Príncipe e caiu morta a seus pés. No mesmo instante, um estranho estalido soou dentro da estátua, como uma coisa que se quebra. De fato, o coração de bronze partira-se em dois. [?!?!?]
(...)
So they pulled down the statue of the Happy Prince. “As he is no longer beautiful he is no longer useful,” said the Art Professor at the University.
Depois, derrubaram a estátua do Príncipe Feliz. O professor de arte sentenciou: – Como deixou de ser belo, não serve mais para nada.
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A tradução tem tbm problemas difíceis de demonstrar apenas comparando parágrafos. Por exemplo: no final desse conto, o prefeito da cidade passeia com um grupo de vereadores puxa-saco q repetem em coro as últimas palavras de toda fala do prefeito. Wilde não perde a piada:
“Dear me! how shabby the Happy Prince looks!” “How shabby, indeed!” “... in fact, he is little better than a beggar!” “Little better than a beggar!” “We must have another statue, of course, and it shall be a statue of myself.” “Of myself,” said each of the Town Councillors, and they quarrelled. When I last heard of them they were quarrelling still.
Já o tradutor, perdeu não só a piada como a sátira toda:
– Olhem só! Como o Príncipe ficou horroroso! – O senhor tem toda razão: que horroroso! – ... Parece um mendigo! – É mesmo! Parece um mendigo! – Temos de fazer outra estátua. A minha, por exemplo. – A minha, a minha – gritaram todos os homens importantes. Aí começaram a discutir de qual deles seria a estátua; e até hoje ainda estão discutindo.
Ou seja, o tradutor tentou explicar uma piada q nem contou.
Pensando melhor, o tradutor fez um extenso tour pela maionese.
Pra quem leu este artigo chato até aqui, lá vai um brinde: John Gielgud lendo The Happy Prince. Está dividido em duas partes (tempo total: 20 minutos).
primeira parte:
segunda parte:
O YouTube tbm tem uma versão simplificada e animada, em três partes. A primeira está neste endereço: http://www.youtube.com/watch?v=YI92hDyI2HY
Vou dizer uma coisa pra vcs, viu: ô país pra nivelar por baixo. Nosso ebulitivo doutor não passa um dia sem rir de quem rasteiriza o pensamento intencionalmente; mas qdo quem rasteiriza é também quem reclama da rasteira, aí o doutor engasga de espafuçar a laringe.
¡Ô brandura mental! ¡Ô rédea curta!
¿Quer um exemplo?
Em 1888, Oscar Wilde publicou The Happy Prince and Other Tales, q logo virou um clássico de literatura infantil. É coisa de Oscar Wilde; então, mesmo escrevendo pra crianças, e num tom bastante sentimentalóide, há tiradas de humor sarcástico, jogos de ironias em vários níveis, uma profunda sensibilidade pra sonoridades e significados. O Dr Plausível se emociona ouvindo uma versão em áudio lida por John Gielgud enquanto lava a louça (pq, pô, né? lavar louça só perde pra passar roupa como um dos tempos mais perdidos da eternidade...); imagine a tocante cena: um marmanjão desses, lavando louça, com um toca-cds no bolso, ouvindo às lágrimas historinhas pra crianças...
Entra o tradutor brasileiro.
Com o Natal chegando, o doutor quis dar de presente uma versão traduzida pra seus sobrinhizitos. Achou nas livrarias apenas uma versão da Ediouro traduzida por Paulo Mendes Campos. Esse é quase um ótimo tradutor. Não pesca alguns detalhezinhos mais recônditos da língua inglesa, mas dá de lavada em muitos por aí, com seu fraseado bem adaptado ao clima dos contos.
Entra o editorbrasileiro.
Esse é vil, viu? Haja cristandade pra perdoar. A capa diz: O PRÍNCIPE FELIZ e outros contos Tradução e Adaptação: Paulo Mendes Campos
Devia também dizer: Rasteirização, Simplificação, Retardização, Resumição e Despoetização: O Editor q Chacoalha a Cabeça em Coquetéis
Pq foi o editor, né?, q chegou na orelha do tradutor e disse: “Olha, se vc traduzir tudo certinho, a criança brasileira não vai entender. ¿Que q é esse templo de Baalbec? Nem EU sei o q é isso. E essas ironias todas... Cara, ¿que é isso? De ironia, basta esse presidente analfabeto q tá aí. E ¿vc vai querer q a criança brasileira ¡aprenda a ser irônica!? Ah, outra coisa. Resume os contos aí, pq livro grosso não vende no Brasil.”
Depois desse briefing, o tradutor transformou o complexo, musical e sensível texto de Wilde em pouco mais q uma apresentação de Powerpoint. Desbastou o coitado de tudo q o distiguia de tantos outros contos infantis edificantes. Traduziu pra ser lido pela alegre, extrovertida e simples criança brasileira – aquela q, como outras 30 milhões, sonha em jogar no Real Madrid aos 18 anos.
Nada contra, na verdade. ALGUÉM vai ter q coletar o lixo dos outros, né? Como sempre, a questão q o Dr Plausível enfoca é mais básica – mais assim, tipo, hipoplausibilose vertendo pus no córtex frontal.
Depois de todo o trabalho do tradutor pra simplificar o texto e torná-lo vendável aos pais e mães do Brasil, ¿que acontece? Algum tronho – q por sua vez foi rasteirizado em sua infância por outros meios – tem a idéia de colocar uma biografia de Oscar Wilde na orelha do livro, pra trazer cultura prà criançada. Depois dum paragrafozinho enumerando alguns feitos literários do autor, aparece esta pérola:
"No auge de sua carreira literária, um conturbado romance com Lorde Alfred Douglas causou o fim de seu casamento com Constance Lloyd e tornou pública sua homossexualidade. Foi condenado a dois anos de prisão, culpado de sodomia."
HAHAHAHAHAHAHA
Vai vender q nem água, essa tradução da Ediouro. Todo pai, ao ler a orelha na livraria, vai ser tomado dum desejo irresistível de ouvir o filho perguntar "Pai, ¿que q é 'sodomia'?" ou "Mãe, ¿se eu jogar no Real Madrid, posso virar lorde?"
No próximo artigo, vou dar exemplos da rasteirização dessa edição.
Depois da campanha Cidade Limpa, com q o prefeito Kassab mandou tirar toda aquela parafernália de anúncios e placas comerciais, tá na hora da campanha Cidade Muda. Pq tem dó, né? ô gente pra fazer barulho, produzir ruído e criar algazarra.
Sesdias, tava nosso eternífluo doutor numa esquina desta metrópole q nunca pára quieta, qdo vem da esquerda devagar um furgãozinho com duas caixas acústicas encima* soando algum aviso; e o q o doutor ouviu foi isto:
"...da caixa d'água da Vila Mariana uma cadela cinza com orelhas pretas. Se vc tiver alguma informação, por favor ligue para cinco..."
e a mensagem desceu a rua, inaudível...
HAHAHAHAHAHA
Tadinha da criancinha q jaz enferma esperando sua cadelinha de volta. Mas ¿quem terá sido o descerebrado q inventou o alto-vagante? Criou um problema insolúvel. Se o furgão pára de vez em qdo pra soar o aviso, vai perturbar mais do q ajudar; se o furgão vai devagar, ninguém ouve a mensagem toda.
O doutor já imaginou lá na frente alguém no remanso de seu lar, ouvindo o furgão passar:
"...três nove quatro. Leve a felicidade a uma criança doente. Vc será recompensado. Atenção, por favor. Alguns dias atrás..."
Ganhou o candidato da oposição, perdeu o da situação.
O Dr Plausível rachou de dar risada com toda a hipoplausibilose envolvida. Teve tanta coisa pra se gargalhar nessa eleição, q enumerar tiraria a graça. Foi uma comédia do começo ao fim, não foi? Diga a verdade. Pelo menos não foi tragicômico. Comédia sempre tem final feliz.
Vejamos só o principal.
Todo o mundo vê o presidente mulato* e enxerga um novo e emocionante horizonte a se descortinar no grandioso futuro da raça humana. Calma lá. Pra começar, com aqueles dois pernetas do republicano, até eu, meu. Os buchinchos na Casa Branca tanto tiro deram no próprio pé, e o casal Zé Caquético e Maria Fuinha da chapa republicana eram tão impróprios, q a dúvida toda virou se "branco" votaria em "preto". Mas nem isso é verdade. A questão era mais "vencerá ¿por quanto?"
Euaense é um povo esquisito. O raciocínio lá é todo baseado em scripts, tal como já demonstrado aqui. Pra quem funciona à base de script, "script é script"; ou seja, ninguém pode sair dum script: ao sair de um, vc entra em outro. Pra euaense, Obama é 'negro'. Mas pô, chamar esse cara de negro é uma espécie de tergiversação ideológica. É a escolha entre dois scripts, dois raciocínios IDÊNTICOS e igualmente falaciosos:
1. Obama é filho de negro; portanto, é negro. 2. Obama é filho de branca; portanto, é branco.
O mundo na era digital é muito confuso.
A emoção e a tensão toda veio dessa ambivalência no Obama, e não da nomenclatura 'negro' q se dá nos Euá a qqer "desvio da norma branca". Obama venceu; mas MESMO com todo mundo fantasiando a prioridade de destituir da Casa Branca um tronho hipócrita semi-letrado – a quem se atribuem todos os males do mundo desde o aquecimento global até a crise econômica –, o senador venceu por uma MAGRÍSSIMA margem. Perto da urgência de tirar aquele pessoal de lá, 6% é quase nada.
Pois pensem cá com o doutor. Imaginem duas situações hipotéticas: nas duas, o mesmíssimo candidato democrata, o mesmo tipo, as mesmas palavras, o mesmo ideário, &c, só q:
Obama.x é filho de casal negro Obama.y é filho de casal branco
¿Como teria reagido o eleitorado euaense? O Instituto Chutométrico Dr Plausível verificou q...
Obama.x teria perdido, com apenas uns 40% do voto.** Obama.y teria ganho de lavada, com uns 80%.
Em geral, euaense não pára pra pensar, não: já vai logo aplicando o script, (diferentemente do brasileiro, q tbm em geral não pára pra pensar: vai logo fazendo o q lhe dá na telha.)
Com o povão sabendo do pai negro e da mãe branca, a consciência de q nem uma coisa nem outra aconteceria tornou a campanha obamesca uma mescla rara de bom-senso e maquiavelismo. Uma coisa imperdoável foi o uso apelativo e interesseiro da esperancite. ¡Ô moléstia q não larga o pé! Político q usa a esperancite ou tá de brincadeira ou NÃO tá de brincadeira; difícil saber qual é pior.
Mas esse Obama sendo o bem-melhor candidato, nosso epulótico doutor ficou contente, tanto pelo pequeno passo rumo à igualdade plena qto pela novidade. Sair um pouco da monotonia. No entanto, há q lembrar q trata-se dum presidente euaense – q na melhor das hipóteses nunca é flor q se cheire –, q os Euá não vão duma hora pra outra parar de soltar bomba, q os efeitos deletérios da mera existência duma potência militar cheia de gente ignorante não vão se curar como por milagre. Se a coisa correr bem, daqui a quatro (ou oito) anos, tudo vai continuar mais ou menos como está, só um pouquinho diferente.
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* sorry, ele mesmo se definiu como 'mutt', palavra usada pra falar de cães mestiços ** é, eu sei q não se conta assim nos Euá
¿Viram só essa da Folha de São Paulo? Agora toda segunda-feira tem o suplemento New York Times.
HAHAHAHAHAHA
¡Ô miasarma!
Toda segunda, 6 páginas traduzidas diretamente do NYT. Claro, é um teste pra ver se cola. Mas se colar, já viu, né?
O editor junta o pessoal na sala de redação e anuncia — Oquei, gente, ¿sabe essa coisa de escrever sobre arte, ciência, negócios, tecnologia e política internacional? Então. Vamos deixar com aquele pessoal q sabe raciocinar e escrever ao mesmo tempo. Porque em português, a gente se confunde. Depois a gente traduz.
Aí um jornalista lá no canto pergunta — Mas ¿e a tradução? será q fica boa? A gente sabe q...
O editor edita — Se preocupa não. Ninguém nunca entende nada mesmo, e quem entende já lê em inglês direto na internet. Nada de novo, só tamos agora sendo honestos e dizendo quem realmente escreve sobre essas coisas na Folha há várias décadas.
A moça do café pergunta — Mas então ¿pra quê colocar o nome nuiortaimes no encarte?
O editor revisa — Ué, ¡é o NUIORTAIMES, Dona Geralda! ¡Jornal de respeito! ¿Tá pensanoquê?
Um cara passando por ali a caminho da feira pergunta – Mas peraí, ¿é um suplemento ou é um encarte?
O editor ergue o sobrolho e franze o texto – Vamos colocar uma nota na primeira página anunciando a novidade. Pra evitar confusão, vamos chamar de 'suplemento' no primeiro parágrafo e de 'encarte' no segundo.
A redação toda sorri e levanta o queixo aprovando – ¡Aaaaah, ISSO é q é escrever!
Nada de novo. Essa de publicações brasileiras terem encartes com traduções de jornais e revistas euaenses e europeus não é novidade. Le Monde, The Washington Post, TIME, &c já ganharam uns trocados franqueando sua reputação no Brasil. Não só isso, mas o template de revistas inteiras é rotineiramente copiado no Brasil. O caso mais recente é da revista Piauí, q calca na New Yorker até o TOM dos artigos.
Isso q dá, né?
E enquanto isso, a maior "conquista" recente do povo brasileiro é a reforma ortográfica.
Êi, vc q é eleitor, ¿vc acredita mesmo q votação eletrônica é confiável?
HAHAHAHAHA
Cada idéia q me aparece.
Mas digamos q sim.
Aí ganha aqui em SPaulo o Fator K*. E aí vêm os comentaristas políticos explicar o ocorrido.
• Chega um e diz q a campanha do Kassab foi melhor e portanto convenceu o povão.
hahahaha
Té parece Vc pode até ficar de cabelos em pé vendo filme de terror, mas ¿daí a acreditar naquilo? O povo é a massa de manobra mas não é massa de moldar. Aliás, ¿alguém presta atenção em campanha?
• Chega outro e diz q o voto num candidato é a rejeição a outro.
HAHAHAHA
Té parece. Se o povão não se dá ao trabalho de racionalizar o voto, ¿vai se dar ao trabalho de racionalizar o não-voto?
• Chega outro e diz q o partido do governador é q elege o prefeito.
HAHAHAHA
Té parece. O povo tá tão inconsciente do partido do governador qto do prefeito. Falar de partido é coisa de torcedor de câmara e fofoqueiro político.
Aí vem um cara e pensa certo. Tal de Dimenstein. Quem votou em Kassab votou pq durante sua estadia na prefeitura o povão viu q prefeito é um cargo meramente administrativo q tem pouco a ver com questões partidárias / ideológicas / nacionais. A prefeitura é um âmbito executivo local, não é um âmbito legislativo nacional. Pessoas como a Marta e outras ficam aí embolando o meio de campo, mistificando a prefeitura, querendo fazer o povão crer q ela, se eleita, teria atribuição, poder e envergadura pra se meter em ideologia, qdo prefeito serve é pra erguer placa, escovar sarjeta e trocar lâmpada.
Depois da cagada toda, um âncora da Record, um tal de Britto Júnior, disse isto ao promotor q tava no caso:
"Quero só deixar claro aqui q nós fizemos um trabalho dentro da ética TOTAL. Em todos os momentos a gente fez a cobertura ouvindo os dois lados, q é uma tradição da Rede Record de Televisão, q SEMPRE faz uma cobertura INTENSA mas NUNCA sensacionalista."
Aí ¿alguém viria me dizer q um desfecho como esse nada tem a ver com a língua? q os processos mentais estropiados q promovem uma declaração dessas – em q as palavras não parecem significar NADA – e permitem q ela seja regurgitada dum cérebro humano não influenciam na maneira como os portadores dessa língua interagem? q o fato de alguém desse calibrinho consiga chegar a âncora dum programa de jornalismo (ou seja de texto) numa emissora central não tem nada a ver com a tragédia? q nada tem a ver com q no centro duma cultura q não produz idéias próprias haja um bando de descerebrados brincando de tecnologia no meio dum seqüestro?
Sorry, mas elo há. ________________
Adendo:
[Resposta ao leitor Pracimademoá, nos comentários.]
É verdade, parece q não concordamos. Mas dexeu explicar. É uma questão de categorias. Observe:
• deixar claro: ¿Como assim, DEIXAR claro? 'Deixar' seguido dum adjetivo significa 'fazer algo/alguém passar dum estado a outro': "a notícia me deixou triste". ¿O âncora quer dizer q isso q ele quer esclarecer vai passar do estado 'obscuro' pro estado 'claro'? ¿E existe algo em "estado claro"? • fazer um trabalho dentro da ética: ¿Q catso é isso? ¿A ética por acaso é um espaço abstrato onde cabem trabalhos q poderiam ser feitos "fora" dela? • ética total: ¿Existe ética não-total? • ouvir os dois lados: Este é o centro nevrálgico do problema criado pela cognização estropiada das informações: um bafafá imenso criado por um criminoso, e o âncora acha "ético" q se ouça o lado dele, passando por cima da polícia e das famílias envolvidas, e cagando tudo homericamente. • tradição: ¿A tradição de uma vintena de anos da nova Record? ¿Tal como em "O churrasquinho do Aldir *já* virou tradição."? HAHAHAHA • cobertura sempre intensa... nunca sensacionalista: O âncora quer atenuar o sensacionalismo com a palavra 'intensa' mas o argumento é tão fraco q ele tem q inserir a dicotomia hiperbólica "sempre/nunca", q na verdade ali só quer dizer "sim/não".
O âncora fala sem pensar no q diz. Sai tudo automatizado por toda uma vida ouvindo e praticando inexplicitude. Eu sei o q o âncora QUIS dizer, e acho q é a isso q vc se refere qdo diz q as palavras dele foram "muito" exatas. Mas o q eu, vc e todos entendemos, ele não DISSE. Disse OUTRA coisa. O q foi entendido não o foi através do significado e função das palavras, mas através do contexto. Tua cabeça ouve essa gororoba e processa: "Nesse contexto, essa série de palavras soltas SÓ PODE significar isto."
E o Brasil inteiro é isso, 24 horas por dia. ¿Nunca se perguntou – se o brasileiro trabalha tanto, ¿por quê há tanta fricção desnecessária, tanto desperdício, tanta coisa q dá errado??
¿Vc quis dar a entender q é burrice congênita? Mas não. A burrice é como a pobreza: o estado natural do ser humano. Sai-se da pobreza através duma organização econômica. Sai-se da burrice através duma organização cognitiva. O q tira a pessoa da burrice é a explicitude da língua e de seus usuários.
Contexto vc pode entender até sem palavras. Contexto até cachorro entende.
[Note q "em nenhum momento" (!) reclamei de gramática, concordância, &c. O problema todo tá nos significados e funções das palavras.]
Nosso esbelto doutor mal acordou hoje de manhã e já estava gargalhando. E nem foi pelas eleições. Liga um amigo dizendo q leu num jornal a sigüinte pérola.
Diz q tem crescido bastante o número de reclamações contra barulhos urbanos. Barzinho abre, lota, põe música (ao vivo ou "de fita"), esparrama mesas na calçada, surge a cantoria, cresce o movimento na rua, gente gritando, carros tonitroantes, buzinaços madrugueiros, algazarra, brigas bêbadas, &c. Morador das redondezas, incomodado, liga pro Psiu. Aparentemente, um produtor de ruído só pode ser multado legalmente se satisfizer duas condições: (1) fazer ruído regularmente e (2) ter CGC. Aí o Psiu manda técnico averiguar o nível de ruído do bar.
Agora vem a parte engraçada.
O técnico se planta na rua. Aponta o aparelhinho pro bar. Mede o ruído médio proveniente do bar. Gira 180°. Aponta o aparelhinho prà rua. Mede o ruído médio da rua.
Se o ruído da rua for maior q o ruído do bar, este não pode ser multado, mesmo q produza ruído acima do nível permitido.
HAHAHAHAHA
Peraí, deixa repetir, com ênfase.
HAHAHAHAHA pára, pára, olha o Psiu
¡Ô gente burra! ¡Ô gente maquiavel!
Tem tanta hipoplausibilose nesse procedimento do Psiu, q o doutor talvez gargalhe até ser denunciado pelos vizinhos. Vejam uma lista:
• o ruído proveniente do bar dum lado da rua é refletido pelas edificações do outro lado da rua, pelos carros q passam, pelo próprio chão da rua; assim, qqer medição apontando no sentido oposto vai incluir uma parte do ruído do próprio bar • é covardia incluir na medição da rua os buzinaços, carros com som e coisas do tipo; primeiro, pq são ruídos pontuais e passageiros, apesar de incomodarem bastante; segundo, pq esses ruídos são atraídos pela existência de bares na rua • mesmo q o ruído normal do trânsito da rua for maior q os do bar, estes sempre incomodam mais pq são percebidos como propositais; não só isso, o ruído do bar está imbuído de informação, um componente q é processado pela mente consciente; por esses dois motivos, os ruídos do bar aparecem em primeiro plano, por assim dizer, enquanto q o da rua é percebido como ruído de fundo • se o bar produz ruído acima do permitido, ele TEM q ser multado, não importa qto ruído haja em volta; o contrário seria como não punir alguém q assassinasse uma pessoa durante um naufrágio em q dezenas de outras pessoas estão morrendo acidentalmente; o crime aconteceu: se o assassino sobrevive ao naufrágio, ele TEM q responder por seus atos • os bares não só produzem o próprio ruído como geram e se beneficiam do ruído da rua; é um sistema com retroalimentação (o chamado feedback) numa espiral; ou seja, qto mais ruído o bar fizer, tanto mais ruído haverá nos arredores
Claro q a solução presse pobrema não é a vigilância e a punição, mas uma mudança no código de construção de barzinhos q faça incluir diretrizes contra o incômodo aos vizinhos. Mas, enquanto os legisladores ignorarem a questão, nosso escoldrinhante humanista vai ficando cada vez mais afeito à idéia de guerrilha urbana; não fosse o barulho das bombas, dos tiros, dos gritos lancinantes e do palavrório besta, muitos barzinheiros já estariam apodrecendo nas sarjetas. Mas ¿talvez a melhor tática da urbanoguerrilha seja o silencioso envenenamento?
As coisas q os crentes dizem dos ateus são em geral engraçadíssimas de tão despistadas. Uma das coisas mais tontas −encampada até por muitos ateus− é q a própria palavra ‘ateu’ expressa uma negativa, ou seja, q essa palavra diz o q a pessoa NÃO É (crente). Partindo disso, muitos ateus procuram se definir com uma positiva – tipo o termo ‘bright’ sugerido pelo ateuaense Daniel Dennet.
O ateu é como um não-fumante. A partir do momento em q há pelo menos UM fumante −o primeiro fumante− todo o resto do mundo q não fuma passa a ser não-fumante. Ou seja, o padrão é ser não-fumante, assim como o padrão humano é ser não-voante.
A catequização, evangelização, proselitização, doutrinação e todos os outros -ãos q se baseiam em "por favor, please, seja como eu" são exatamente como anúncios de cigarro.
Nosso epopéico humanista não fuma. Já se lhe ouviu dizer q, MESMO não havendo tanto perigo à saúde no fumar, vc pode lhe passar 100 vezes por dia TODOS os anúncios de cigarro do mundo, pode levá-lo a palestras pró-fumo, mostrar-lhe depoimentos e mais depoimentos de fumantes felizes falando do imenso prazer, do sereno alívio de acender um cigarrinho, pode citar documentos e estudos q comprovam os benefícios do fumo, pode criar os cigarros mais palatáveis e menos repugnantes possíveis, q nem mesmo assim, o doutor jamais, never, NUNCA vai pôr um cigarro na boca e tragar. Não adianta. Sorry.
Pra ele, os anúncios de cigarro, mesmo os mais perversos ou divertidos, sempre foram um blablablá ininteligível, uma encheção de saco e perda de tempo pra todos os envolvidos.
E é assim q os ateus vêem toda tentativa de fazê-los ãã... crer. Encheção de saco e perda de tempo.
O não-fumante obviamente não conhece o prazer do fumo. O não-crente obviamente não conhece o prazer da crença. Mas também é verdade q o fumante/crente não entende a repugnância do não-fumante/não-crente, pois o prazer deste está em simplesmente respirar o ar como ele é, sem enchê-lo de aromas e urucubacas exógenas, maquinadas pra seduzir, aliciar e viciar. A névoa de fumo q paira numa boate, onde os fregueses se entreolham com aqueles sorrisos grupais, equivale à nevoa de crença q paira num templo, onde os fiéis se entreolham com aqueles sorrisos tribais. O pobrema é q qdo está fora da boate, o fumante não enxerga sua própria malevolência, sua falta de tato, sua prepotência ao sempre "sem querer querendo" transformar qqer ambiente numa densa e poluída névoa de vício e onanismo, não entende q o não-fumante detesta voltar pra casa com a roupa recendendo às baforadas alheias. O mesmo vale pro crente. "Sem querer querendo", põe-se a insuflar o ambiente com fumaças místicas, cor-de-rosa, dogmáticas, doutrinárias, sagradas e autoritárias.
Tanto os crentes qto os não-crentes precisam se dar conta de q, assim como o cigarro é uma invenção e o não-fumismo é o padrão humano, tbm a crença é uma construção humana e portanto o padrão humano é a não-crença. Na natureza, ninguém fuma. Na natureza, ninguém crê. E vodzêumacoiprocêis, que ’bright’, que nada: chamar o padrão de qqer coisa diferente de ‘padrão’ já é um despautério; mas qdo um crente chama o padrão de ‘ateu’, chega até a ser um insulto.
Claro q já virão leitores perguntando: se o crente é o fumante e o ateu é o anti-tabagista, ¿o q é o agnóstico? e ¿o q é o agnóstico radical?
Bom, na boate, o agnóstico é o garçom. O coitado não fuma mas tem q ficar ali respirando a urucubaca.
Já o agnóstico radical, é aquele q nem põe os pés na boate: fica em casa lendo gibi, tocando violão e trepando.
O Soares Silva, espírita declarado, publicou um texto avacalhando com os tadinhos dos calejados ateus, chamando todo ateu de pessimista (embora nem todo pessimista de ateu) e desagradável, e talvez de coisas ainda mais horrendas no MSN. Nosso espirituoso doutor não se define como ateu – a menos q vc esteja falando daquele Deus q criou o universo 6 mil anos atrás: aí é brincadeira, né? – mas sentiu-se chamado a defender essas pessoas desprovidas de sonhômetro.
Não admira q um crente identifique ateísmo com pessimismo: toda religião é feel-good, feita pra ser agradável à megalomania humana, a seu medo da morte, sua necessidade de se sentir especial, sua vontade de achar sentido nas coisas, sua tendência a ver figuras nas nuvens. Se as "verdadeiras revelações" fossem desagradáveis ao impressionável macaco falante, não haveria religiões. Se viesse um messias q comprovadamente restabelecesse braços amputados, fizesse chover on demand, emagrecesse obesos instantaneamente, levitasse a si mesmo e a toda a humanidade simultaneamente pra dar uma volta pelas nuvens, previsse o futuro com precisão e clareza, transformasse o planeta num lugar prazeroso e pacífico, e desse outras *provas* de q tem linha direta com Deus, MAS... dissesse q o humano é um ser chinfrim, explicasse a Bíblia tintim por tintim provando q sua mensagem é q todo humano sem exceção vai pro inferno ao morrer, q Deus não criou o universo mas criou sim uma raça dez vezes superior na Galáxia Seyfert, humanamente inatingível, e q essa raça sim é q vai pro Paraíso ao morrer, q os humanos são lesmas inúteis no grande esquema do universo, q com seu tutano nunca jamais vão entender nada q preste... se aparecesse um messias assim, não conseguiria um único seguidor, seria o messias com a religião mais fracassada da história, seria perseguido e realmente crucificado – e NEM ASSIM seria levado a sério. Ou seja, a fé espiritual não vale nada sem a esperança dum confortozinho animal no fim da história.
Então não me venham dizer q os ateus são pessimistas. Os crentes é q são. O crente é no fundo um *descrente* – um descrente atormentado q se sente pendurado a um graveto acima dum abismo, achando q a qqer momento vai despencar. Ele ama o graveto: sem o graveto, sua existência não faz sentido.
Pro ateu, não há abismo, não há graveto, ninguém vai cair: a vida é emocionante por si mesma.
E se vc acha q o ateu é um bicho sem graça, é pq ainda não conhece um agnóstico radical.
Êi, ¿já viram aquela da adolescente na Índia q se matou de ver tv?
HAHAHAHAHAHA
Tadinha...
Um bando de jecas televisivos espalhou q aquela geringonça na Suíça – o Large Hadron Collider (ou, em português claro, o Grandessíssimo Trombador de Hádrons) – criaria um bigue-bangue artificial q geraria antimatéria suficiente pra fender nosso planeta em dois e desintegraria o universo inteiro. A garota viu os teletagarelas debatendo, entrou em pânico e tomou inseticida pra, digamos, morrer antes de ser morta.
Tragédia, hein?
A tv indiana deve ter até as câmeras corroídas pelo hipoplausivírus, hein, pq ¡vai ser despistado assim lá em Calânusta! Pelamãedevishna. E a moça então, herdou o vírus de nascença.
Nosso escalante doutor sempre faz lobby pra q desde o jardim-de-infância a petizada receba aulas obrigatórias de Escalalogia – ciência q faz parte do currículo do Instituto de Plausibilática de Tallinn desde 1957.
Porque, pô, né? Antes de morrer de ignorância escalalógica, a garota declarou q o Trombador "ia despedaçar a Terra e todo mundo em sua aldeia ia morrer."
HAHAHAHAHAHAHA
Tadinha...
A ignorância da Escala das Coisas é a causa primeira de pânicos imprestáveis, crenças monstruosas, megalomanias baldadas, suscetibilidade a manipulações nojentas. Todo o mundo interpreta, calcula e palpita como se vivesse numa aldeia. Êitcha.
Considerando a população mundial como 6,5 bilhões de pessoas, coloque toda essa gente lado a lado de pé, cada pessoa num quadrado de 0,5m2 (~70cm por aresta). ¿Q área ocuparia?
3185km2, ou seja, um quadrado com arestas de 56,43km, ou mais de duas vezes a área da cidade de São Paulo. É mais ou menos a área do quadrado branco aí em baixo.
Imagine tudo isso forrado de gente ombro a ombro e é isso.
Vc pode não achar engraçado, mas nosso escolado doutor gargalha cada vez q imagina.
Desde q desistiu de tevê a cabo e passou a singrar os mares da pirataria e do YouTube, nosso erpe doutor nunca nem ligou o aparelho, sequer pra ver Ratimbum. Sequer ligou a antena coletiva; daí q só a Globo tem uma imagem manimeni decente.
Sesdias, comeu um PF ali na esquina, pegou uma infecção alimentar e acabou de cama com 39°C de febre. Ô miasarma. Uma tarde, tava naquela morosidade e, to add insult to injury, resolveu escoar a febre vendo a Globo. Lá pelas tantas, já não sabia se estava delirando de febre ou se realmente se desenrolavam no tubo algumas das cenas mais imbecis de toda a história da teledramaturgia mundial. 9 horas de Globo são como uma papa insossa regurgitada por um ruminante apalermado.
¿Quantas novelas viu naquele dia? ¿Foram cinco? sete? duas? E aquelas pessoas insípidas fingindo ser outras ¿eram atores e atrizes? Aquelas cenas em q a trilha tocava um sambinha ou algo igualmente alegrinho ¿eram pra ser espirituosas? Aqueles diálogos e tramas saídos dum manual terápico pra mongolóides ¿era realmente o q o povão quer consumir? E ¿por que catso naquele dia não apareceu nenhuma cena com a Lílian Cabral*?
Depois o doutor riu contando suas cólicas mentais ao ver algumas cenas: • durante o treino dum time de futebol, uma moça linda e gostosa inventa de entrar em campo e, numa filmagem amadorística, acochambrada e apressada, vai chutando a bola, dribla todos os jogadores profissionais duas vezes maiores do q ela e marca um gol. AAAAAAARRRGGGHH • a mãe duma das várias heroínas supostamente morre e ela (a mãe) resolve ir observar seu "enterro"; numa filmagem amadorística, acochambrada e apressada, fica se esgueirando por entre as lápides a alguns metros de 50 pessoas q a conhecem e estão em volta de seu "caixão". AAAAAAAAARRRRRGGGGGHHH • e o coup de grâce clássico de novelas da Globo – mãe falando com a filha atormentada: "Ah, vai descansar uns meses em Paris." BRAAAAAAAAAARRRRRRGGGGGHHHHH
¡Chega!
O doutor até se condói com aquela gente toda. Deve ser difícil pra burro ser diretor ou ator administrativo e manter por meses a fio o mesmo tom falso, o mesmo matiz de morosidade – a morosidade do PF q não caiu bem –, repetir e repetir a mesmíssima cara de jaca encostada, o mesmo olhar de emoção Pasteur. Algumas atrizes mais velhas, com a cara esturricada de plásticas requentadas, já nem precisam fazer esforço: a cara entra em cena igual e sai do mesmo jeito há 30 anos. Os atores são piores: têm o olhar parado e indolente do funcionário público q já chegou onde queria chegar, a inércia de carimbador fazendo pose de importante. No fim do mês vem o salário e tá tudo certo.
Alguns dias depois, o doutor estava bem de novo. As toxinas dum PF estragado devem ter reagido com as do outro, e se anularam mutuamente. Mas o senso de humor de nosso egrêgio humanista ainda está de revertério. _________ *Lílian Cabral é a atriz brasileira favorita do Dr Plausível e ganhou o Plausuto de Ouro 2001 por sua atuação num filme bobo e esquecível.
Nosso evidente doutor não se cansa de gargalhar qdo ouve um tronho se deslinguar sobre o Nobre Destino da Raça Humana (qdo não de sua nobre origem), fazendo questão, claro, de requentar algum nhoque sobre a esperança humanista e espetar algum alfinete nessa gente má q impede a paz mundial mas curiosamente não impede o tronho de falar besteira.
Já o doutor, não fica idealizando seu destino ou sua origem: ele sabe q é um macaco; sabe q tem um cérebro macacal com todas aquelas emoções macacais, aquele jeito macacal de lidar com prazeres e repugnâncias, com afetos e desafetos. O doutor conhece seu lugar no universo: não passa dum semi-complexo aglomerado orgânico temporário de moléculas, q inclui um cérebro q cogniza e intelige. Somos todos macacos no mesmo sentido: macacos q cognizam e inteligem um pouco mais q outras espécies de. Por mais q sonhe e racionalize, o humano jamais deixará de ser um macaco, assim como jamais deixará de respirar oxigênio. Sorry, tronho. A crença, aprés Spencer, de q o mundo (¿como assim? o universo?) tende a melhorar por meio da intervenção consciente de alguns macacos é algo q inspira no Dr Plausível um sorriso fanho.
Aspirar a algo ãã... “superior” é um resultado fortuito do inteligir. A diferença entre cognizar e inteligir não é trivial. Cognizar é fazer uma representação mental de algo percebido. Inteligir é encontrar associações plausíveis entre cognições (aquele q intelige é ‘inteligente’, assim como algo q ocorre é ‘ocorrente’). O mundo produz e é composto de combinações e rearranjos de elementos; ao cognizar a combinatoriedade do mundo, o cérebro humano começa a inteligir combinações imaginadas – algumas práticas ou exeqüíveis, outras absurdas ou quixotescas. De imaginar a aspirar, é um pulinho.
Uma variante não-tronheta da esperancite humanista é o deslumbre com a ciência – q, a rigor, é apenas um método consistente de cognizar e inteligir a regularidade do mundo. A regularidade do mundo é externa ao cérebro humano: é um dado fortuito, não uma premissa – digo “fortuito” porque até alguns séculos atrás, nem sequer se supeitava q a regularidade permeava cada cagagésimo do universo; o cérebro em si apenas *processa* a regularidade: ele não tem parâmetros internos pra definir como o mundo deve ser observado.
O deslumbre com a ciência é compreensível: o macaco dentro de nós nunca vai deixar de se arregalar com tanta coisa q dá pra fazer com ela.
Só q, em última análise, o cérebro tá fadado à auto-ignorância. Atalhos, não há. Cada novo cérebro – q vive uns míseros 70 anos antes de virar carniça – tem q ser longa e cansativamente treinado pra viver no mundo, usando um vocabulário limitado e tendo q se ocupar de assuntos prosaicos antes de se concentrar nas questões últimas. Primo mangiare, dopo filosofare.
Mas (o grande “mas”) o número de combinações imagináveis de elementos é infinito; e todo novo cérebro – depois de repisar o caminho já repisado por seus antecessores – se propõe a encontrar novas combinações, novas formulações, e não leva em conta q o tempo todo a realidade é reles e há limitações físicas e biológicas intransponíveis. Devido a sua tendência a inteligir, o cérebro é incontentável; o tempo todo a consciência quer mais. Um tronho nascido no ano 74.329 *vai* se achar o rei da cocada preta e *vai* achar q finalmente entendeu algo q nenhum dos 5 trilhões de humanos anteriores entendeu. Só q, como já disse, qqer coisa q um cérebro saiba será necessariamente mais simples do q o próprio cérebro. Em particular, por mais q um cérebro específico entenda o universo e as leis da física e as interações sociais, ele *jamais* vai entender a si próprio. A consciência – o q é, onde tá e como funciona – é um enigma q talvez se possa observar genericamente como um objeto externo, mas *jamais* se poderá compreender por introspecção. Pra q uma consciência pudesse olhar pra si mesma, ela teria q ser paradoxalmente menos complexa do q ela mesma.
Agora, o fato de o cérebro ser orgânico implica em duas coisas: (1) ele tá sempre mudando lentamente e (2) não há dois cérebros iguais. Cada cérebro tem sua própria fiação; cada pessoa cogniza e intelige segundo sua própria idiossincrática fiação, e tá predisposto a tomar um caminho peculiar – a partir de certo ponto inconhecível por outros cérebros. Algumas fiações levam a crer em fantasmas, outras levam à pedofilia, outras ao radicalismo, outras ao apateísmo; algumas produzem pessoas simpáticas e falsas, outras resultam em pessoas desagradáveis e caridosas, &c &c &c. "Instances of human range", no dizer de Roger Rosenblatt. Claro, alguns cérebros são, digamos assim, ¿como direi?, ãã... são mais *básicos* do q outros; o caminho q eles percorrem é, mmm, peraí, dechovê, ãã... é *menos distante*. Alguns cérebros inteligem bastante numa área mas nem tanto em outra. E assim por diante. Então, não admira q o inteligir de alguns cérebros em áreas específicas pareça tão tosco ou primário a outros.
A noção de ‘fiação’ do cérebro, de q cada cérebro tem uma estrutura diferente, desemboca *necessariamente* na aceitação da pluralidade, na aceitação de q a variabilidade é a regra, e q portanto não se pode esperar, prescrever ou implementar um critério fechado prum ideal de perfeição geral pra TODA a humanidade. A imposição dum critério só vigora temporariamente, e mesmo assim à base de hipocrisia. ¿Qtas pessoas condenam em público o q fazem em privado? Em particular, ¿qtas pessoas se dizem religiosas em suas comunidades e se coreografam nas manadas rezatórias muçulmanas, cristãs, &c mas na verdade não acreditam em porra nenhuma?
Se vc enxergar a pluralidade do mundo, será capaz de encontrar o sorriso Walter Brennan q existe dentro de si. Qdo um tronho cita uma escritura qqer como parâmetro absoluto de alguma coisa (“A Bíblia/o Corão/o Talmude/a Constituição é A Única Verdade.”), ele não tá fazendo mais do q sendo um macaco aplicando sua fiação específica de macaco - sequaz - territorialista - peremptório - regrista. Esse macaco é particularmente gargalhável porque é o epítome do tronho: é a pessoa q não admite a pluralidade, o macaco q não enxerga a ironia de q sua fiação anti-pluralista só existe porque existe a pluralidade, ou seja, q seu anti-pluralismo tá incluído na variabilidade da raça humana. É invisível a ele o absurdo da frase “todos deveriam ser como eu porque eu *calhei* de ser como sou”.
É claro q, sendo verdadeira a implicação (1) acima (de q o cérebro individual tá sempre mudando lentamente), todo mundo pode aprender. O macaco - sequaz - territorialista - peremptório - regrista q tá no coração de todo religioso tem q aprender a enxergar-se como um espécime da variabilidade humana, em lugar de projetar-se como um exemplo imperfeito do ideal divino. Seria um primeiro passo pra finalmente admitir q qqer livro sagrado é apenas uma tela onde cada religioso projeta seus próprios preconceitos.
Nosso encomiável doutor quase não lê jornal. Comprar, então, só in extremis. Sair de manhã pra seu morning constitutional e dar uma paradinha na banca pra ver as manchetes penduradas é um hábito q ele não renega desde seus tempos de estudante no Instituto de Plausibilática de Tallinn. O raciocínio de nosso humanista é impecável: se all news is old news e se os jornais controlam as notícias diariamente, então uma bizoiada a cada 24 horas na primeira página basta. Não quer se meter a ler jornal não. Há entre o doutor e o jornaleiro um acordo tácito. O doutor pode às vezes tirar fotos das manchetes em troco da preferência de comprar ali seus gibis, qdo lhe dá na telha. Há pro outro o bônus adicional de começar bem o dia com o contágio dum gargalho plausônico.
Esta manhã foi uma glória pro jornaleiro. Ao ver a primeira página da Folha, a gargalhada múltipla de nosso humanista o infectou em tal grau q a rua toda invejou os dois por estarem começando uma quinta-feira pós-feriado num astral hilariante. O q o doutor viu foi isto:
Desde a ascensão da imprensa como meio político, há entre deputados de todas as laias um tipo de velhacaria muito comum q consiste em simbolizar tudo errado com o intuito de confundir as coisas q já estão confusas na mente de quem se vale desse recurso.
Pois pergunta-se: ¿o q tem a ver, dum lado, um político evangélico numa confortável sala do congresso carregando nos braços duas bonecas levinhas durante alguns minutos pruma photo-op... com, do outro lado, uma mulher realista neste mundo decididamente desconfortável carregando na barriga durante 9 meses um pesado feto indesejado com a suposição de q se responsabilizará por ele durante os 18 anos seguintes?
Todo assunto sério abordado com cretinice dá nesses absurdos q em si são risíveis. Mas o q destrambelhou o doutor a rir foi ver o NOME do deputado. Qqer pessoa sensata e culta q se preze vê logo de cara q alguém q veio ao mundo com o nome Willian (note: williaN) não deve ter crescido num ambiente com muito apego à realidade q o cerca. "William com ene" é uma coisa estapafurdiamente diferente de "Brasil com zê". Brazil é o sarcasmo ao estar consciente do significado q uma letra pode assumir; Willian é a sedução do iletrado inconsciente do q as letras dizem. Está claro q ter um nome tipo 'Willian' não desmerece ninguém a priori. Chamar-se Jean-Claude ou Djéfersão ou Orprúndio não é opróbrio nenhum prum brasileiro (muito menos aos olhos do doutor – cujo primeiro nome, diga-se, é Amônio). Mas imagine a infância desse menino, nascido desortograficamente numa nação genuflexa perante nações melhor estruturadas, crescendo sem orgulho pátrio de sua própria língua e cultura, com uma desatenção cor-de-rosa pelos detalhes da cultura importada, seguindo um culto evangélico q se pauta por Bíblias (mal) traduzidas do inglês e por discursos (mal) adaptados de problemáticas euaenses, galgando-se social e politicamente por utilizar técnicas de marketing religioso originadas "lá" e trazidas "de lá" por missionários deslumbrados, e então aplica sua ideologia pra-inglês-ver no congresso brasileiro, onde a questão é totalmente outra, e – pra arrematar – insulta as leis brasileiras e a mínima inteligência do público brasileiro ao tomar emprestado TAMBÉM os confusos e pérfidos processos mentais da religiopatia euaense e chama de "abortos" os trágicos assassinatos daquela menina paulista pela janela e daquele menino carioca no carro. Imagine. É um mundo paralelo tomando conta da realidade.
Numa nação genuflexa e ignorante, é um problema constante q se transforme a genuflexão disléxica numa profissão de fé, diversificando-a em genuflexão cultural e ideológica, genuflexão metodológica e econômica, genuflexão religiopática e política.
Talvez pareça q o doutor enxerga uma causa lingüística até mesmo na questão do aborto, quase beirando a botar nos gramáticos normativos e reformadores ortográficos a culpa pela sandice q rotineiramente leva genuflectores à câmara federal. Mas o nome do rapaz é apenas um detalhe engraçado. Por outro lado, a prova da genuflexão disléxica taí pra quem quiser ver. Um deputado federal chamado Willian segura duas bonecas e acha isso um símbolo pertinente numa guerra eterna entre ideologias traduzidas.
O Dr Plausível viu tudo isso ali, ao ler a primeira página do jornal pendurado na banca da esquina. Só podia mesmo gargalhar.
O acordo tácito entre ele e o jornaleiro se parece com aquele entre a hipocrisia política e a franqueza da realidade. O doutor não vai comprar um trambolho de jornal só pra ler algumas notícias; se ele não puder ler as manchetes ali, vai ler em outra banca. O jornaleiro sabe disso; o q ele perde no jornal, ganha no gibi. Quem quer fazer um aborto faz, sem pensar se é criminalizado ou não; se não puder fazer de graça num hospital público, vai fazer em outro lugar. Os willians sabem disso. O acordo tácito é entre quem condena e quem faz: "Ninguém vai te pôr na cadeia, mas me reservo o direito de berrar contra." O q eles perdem em realismo, ganham em angelismo. Mas o q eles não querem mesmo é pagar pelo aborto; ou seja, não querem gastar dinheiro, mesmo q se prove q seria pra se ter um país melhor. De melhor, basta q existam os ideais platônicos da Europa e dos Euá – aquele país onde o aborto é legalizado e produz o maná de onde os willians dislexicamente derivam suas idéias.
Morning constitutional, indeed!
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Adendo:
Apesar dos Willians, este país descende culturalmente é de Portugal. Só em fevereiro de 2007 é q os portugueses foram aprovar em referendo o q eles chamaram de "despenalização da interrupção voluntária da gravidez ... nas primeiras dez semanas". É ligeiramente intrigante aventar q esse país da periferia européia não teria tido a iniciativa e o impulso de se modernizar nesse sentido não fosse o exemplo prévio da maior parte do restante da Europa. Talvez o q falte a sua ex-colônia tupiniquim não seja bom-senso, mas *vizinhos* com bom-senso.
Veja também este engraçadíssimo esquete em q o Gato Fedorento satiriza a incongruência na opinião dum conhecido comentador televisivo, durante o debate q antecedeu o referendo.