O Dr Plausível não ri só qdo trata hipoplausibiléticos; também ri do q é perfeitamente encaixadinho. Mas aí é um riso estético-extático, reservado älguns budistas e um q outro agnóstico. Uns meses atrás, despucelando-se de rir, nosso empedernido doutor me mostrou uma tirinha de jornal. Olhei e logo vi q se tratava de uma das mais geniais tirinhas de toda a história dos quadrinhos, e na data de hoje escolhi render homenagem ä dita cuja. Sempre sigo o conselho do Tom Stoppard, “don't clap too loudly, it’s a very old world” &c. Mas o autor da tirinha, Caco Galhardo, acertou tão na mosca, q merece uns tapinhas nas costas e uma noitada num puteiro.
O Pequeno Pônei é um cavalinho mal-humorado q quer, por assim dizer, extrapolar sua poneidade. Sempre q declara um desejo de ser outra coisa, vem alguém e diz, “¡Mas você é um pônei!” Por exemplo, na tira anterior, o Pequeno Pônei encontra o Chet Baker:
PeqPon: Chet, estou farto dessa vida fútil. Quero ser profundo como você.
CheBak: Forget it, pal. You’re a pônei.
E aí vem esta obra-prima:
E na tirinha seguinte:
PP: Chet, estamos neste deserto há horas e até agora nem sombra de inspiração.
CB: Eu estou curtindo.
PP: Curtindo o quê, o sol escaldante, a areia penetrante, a solidão implacável?
CB: Não, curtindo andar de pônei.
PP: Não zoa, Chet.
O Dr Plausível pondera q boa parte do mundo se divide entre chets-bakers e pequenos-pôneis: num lado, aqueles poucos q, com talento e trabalho, se encontraram nalguma arte ou ofício e, no outro, aqueles muitos q, procurando uma revelação ou uma mudança de vida, sustentam e enriquecem os primeiros ao tentar percorrer o mesmo caminho q eles, mas na verdade os carregam. Nosso esbaldado humanista com certeza teria coisas mais profundas à dizer sobre a tirinha. Já eu, ¿quê posso dizer senão isto?:
Talvez por tê-los visto algumas horas antes, instantâneamente me vieram ä mente o Ozzy Osbourne, Paulo Coelho e os críticos do Lula.
Explico. ¿Já viram aquele seriado com a família Osbourne? Pois então. Vendo aquela riqueza estapafúrdia em q o Ozzy vive, e por associação (em > ou < grau) todo artista famoso, é impossível descartar a constatação de q aquilo tudo saiu dos bolsos das dezenas de milhões de fãs idólatras impressionáveis q compraram discos à preços ‘de mercado’ (haha) e pagaram pra ver shows exorbitantes economizando as merrequinhas do dia-a-dia.
E também é quase impossível não pensar (e este é meu ponto principal) numa parte desses fãs: os milhões de jovens sem grande talento, tempo ou tino q se ‘inspiram’ nos ‘grandes’ artistas e compram guitarras, teclados, trompetes, baterias, métodos, CDs &c e desperdiçam horas, meses e anos de suas vidas no sonho pônei de também se tornarem ‘grandes’ artistas (nada contra tocar um instrumento pra se divertir ou pra ganhar uns trocados). A grande maioria desses jovens jamais vai chegar à lugar algum dessa maneira; mas durante esse processo, perdem tempo e gastam um baita dinheirão comprando os produtos q ajudam à patrocinar a imensa riqueza dos artistas e fabricantes, distribuidores, lojistas, &c. Tudo se move à partir da aura do artista, a aura de quem tem o pé firmemente plantado em si mesmo, q conhece seus limites, sabe do q é capaz e o faz, e enormes fortunas são carregadas literalmente nas costas de quem procura trilhar o mesmo “longo caminho”. De vez em qdo alguém se dá bem, mas aí o caminho é o caminho dele e não o do artista (q à partir daí é demovido ao status de “influência”).
O q me leva ao P.Coelho, o “alquimista” q transforma lugares-comuns em ouro de tolo. É o cara q supostamente diz q cada um deve seguir seu próprio sonho e, paradoxalmente, enriqueceu vendendo os mesmíssimos livros à dezenas de milhões de leitores. É gargalhàvelmente triste. Pensei nele ao ver a tirinha, mas poderia ter pensado em qqer um das miríades de outros autores, compositores e filósofos q, ao expressarem sua própria verdade em seu próprio estilo forjado por seu próprio talento e seu próprio trabalho, dão ao pônei a sensação de q ele pode chegar ao mesmo lugar imitando o resultado do trabalho e talento dos gênios –¡parece tão fácil!–, no q está não só enganando à si mesmo como sustentando e enriquecendo, distanciando e inchando a máquina mesma q os engana. Em essência, gozando com o pau dos outros.
E pensei também na pressão implacável pra q gastem fortunas aprendendo outras línguas pessoas q mal articulam um raciocínio claro em sua própria língua ou como se não houvesse mais à dizer e criar em sua própria língua; pensei no batalhão de mãezolas q pagam pra ver e suspiram vendo MBarishnikov ou NComaneci e enfiam as filhas no balé ou na ginástica (esse é o típico sonho pônei: ao aprender o básico de inglês ou de piano, pelo menos vc se diverte); pensei em toda a babação em cima de filósofos e todas as páginas publicadas e compradas q nunca foram nem serão lidas, e nos bilhões de livros comprados q mofam em prateleiras, sebos e cérebros; pensei nos escritores, atores e artistas –de preferência zeuaenses ou zoropeus– e suas hordas de fãs imitando trejeitos, dicções, frases, opiniões, penteados, modas e gostos, fãs q à cada imitação derramam alguns centavos, alguns milhares de neurônios, e assim pagam o aluguel devido como inquilinos de mentes alheias.
Dependendo do gosto, pra cada O.Osbourne e P.Coelho há uma E.Regina e um M.Proust ou outros milhares de artistas e escritores e dezenas de milhares de seus associados cavalgando centenas de milhões de pôneis q acreditam poder transcender sua poneidade pelo simples fato de percorrer um caminho já trilhado. Mais realista seria alguém chegar à cada um desses milhões e milhões de imitadores, fãs e deslumbrados e dizer: “¡Mas você é um pônei!” Mas já q isso seria dum mau-gosto abismal, ninguém se arrisca. Assim, é preciso q um Caco Galhardo coloque a coisa numa perspectiva, digamos, mais metafórica. E por isso, repito, merece bem merecido, e não mais q, uns tapinhas nas costas e uma noitada num puteiro.
Ainda há a questão do pônei em si. Pois ¿há algo de errado ou ruim ou vergonhoso em ser pônei? Pelo contrário, por dois motivos.
(1) O pequeno-pônei é o default do ser humano. Todo mundo é pônei em quase tudo. Já vi o P.Coelho tentando filosofar e posso dizer q não é a praia dele. E ¡me poupem de ver o cara dançando balé! Quem já viu o Ozzy no seriado, sabe q ele é pônei em tudo menos em beber da própria fama. ¿Quê dizer de Nietzsche, q se sentiu o próprio pônei depois q caiu dum cavalo e não pôde virar soldado? ¿Quê dizer de Tchaikovski, q ao q consta era tão bem dotado qto um pônei comparado à um garanhão?
(2) O mais importante é q todo chet-baker começou como pequeno-pônei, mas teve a sorte de desejar aquilo em q seu talento natural e suas circunstâncias desembocavam. Assim, não há nada de errado ou intrìnsecamente ridículo em alguém almejar, sonhar, sofrer influências e trabalhar feito um cavalo pra encontrar o próprio caminho. O ridículo, o ataque hipoplausibilético, é guiar-se pelos outros, deixando as rédeas do focinho nas mãos do chet-baker de ocasião.
E ¿quê dizer de Lula, q é acusado diàriamente de ser um pônei da gramática e está pouco se lixando pois se recusa à carregar a cheta-baker q é a norma culta (NoCu, segundo eu) até um deserto q ele jamais poderia chamar de Lar? Certo está ele, pois apesar do q dizem os pôneis da NoCu, ninguém fala errado a própria língua. Os críticos desse aspecto do Lula são os q promovem a idéia do Brasil como um país-pônei, uma nação de expatriados, uma imitação de pátria. São os q querem o Brasil todo pedindo à um chet-baker “me ensina à ser desenvolvido como vc” e o chet-baker dizendo “tá bom, tá bom, mas é um loooongo caminho.” Merecem gargalhadas (nem estéticas nem extáticas).
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