30 setembro 2006

Eleiloto

Em seu cerne, a democracia tem uma inconsistência insolúvel: espera-se q todo votante decida seu voto a partir da opinião q tem sobre seus próprios interesses; mas o q acontece na verdade é q a maioria (ou seja, a unidade básica irredutível da democracia) deseja ou espera ou supõe q sua opinião seja ao mesmo tempo (1) honrada e (2) consciente.

Só q, em política, honra e consciência (no sentido de awareness) são como água e óleo: não se misturam.

Primeiro, q "voto consciente" é uma maneira de ser trouxa: vc deseja algo q não conhece, pois (a) ninguém sabe o q rola atrás de portas fechadas nas negociações entre candidatos e entre partidos (e, em se tratando de seres humanos, só pode ser coisa ruim); e (b) ninguém tem consciência do futuro, ou seja, ninguém sabe o q vai acontecer; e, pior, ninguém tem consciência do futuro do pretérito, ou seja, ninguém sabe o q teria acontecido se o passado tivesse sido diferente. Voto consciente não existe: é um conto de fadas q os políticos contam pra q o populacho durma e não os fuzile a todos um a um.

Já o "voto honrado", é uma aberração lógica: é desejar q haja honra numa opinião interesseira ou q, no mínimo, não compactue com pessoas reconhecidamente desonradas e q portanto compactua com pessoas ainda não reconhecidamente desonradas. O "voto honrado" é também mais uma manifestação do objetivo primordial de todo ser humano (portanto incluindo igualmente eleitores e candidatos), q é tirar o cu da reta.

Em qqer eleição democrática em qqer situação em qqer época e em qqer país, vc tem três alternativas:

(1) vote nulo sempre
(2) caso vc ache o (1) moralmente errado, vote aleatório
(3) seja trouxa e tente o voto honrado e consciente

(Instruções pro voto aleatório:
-em casa sorteie uma série de números, anotando-os num papelzinho
-na urna, digite ou escreva a série de números sorteados exatamente na mesma ordem)

Os resultados finais de (2) e (3) são exatamente os mesmos. O resultado final de (1) é q vc tem mais tempo pra cuidar da própria vida.

17 setembro 2006

O português é tão bom qto suas palavras

A gargalhada homérica de nosso empanturrante doutor às vezes fica meio cansada. É chato ouvir a mesma piada dez vezes por dia. Por isso, sempre q começa aquele reclame do TSE falando da importância estratosférica do voto, o doutor muda de canal. Se aparece num outdoor, ele olha pro outro lado da rua. Se toca no rádio, começa a cantar "xô xuá".

Pois, catso, se o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil resolve informar o povo brasileiro sobre as eleições dum presidente brasuca pra governar o Brasilzão, ¿por que caralhos utiliza um eslôgã patentemente, obviamente e descaradamente surrupiado, imitado e bestamente traduzido duma expressão corriqueira do inglês q nem sequer é totalmente compreensível em português?

"O Brasil é tão bom quanto seu voto" é a língua oficial do Brasil pegando no tranco; é a cultura brasileira pastando grama q não digere.

E se até o eslôgã da eleição é entreguista, ¿sobra o quê?

06 setembro 2006

Escroto nulo

Nosso enternecido sábio sempre dá risada na cara de quem tem "altos ideais". O termo "alto ideal" já tem um quê de derrotista e ofensivo. Mas também pode ser usado tanto pra manipular o populacho – tipo como se faz com 'esperança' –, como pra falar bestices pelos cotovelos e parecer profundo.

Em época de eleições, sempre brota incontrolada uma campanha contra o voto nulo. O argumento principal é q o voto nulo favorece quem já tá no poder.

Pode até acontecer, tal como no caso de gente atacada de hipoplausibilose q vota nulo em protesto contra o governo em exercício. Tem q ser muito tapado pra achar q o voto nulo vai prejudicar quem tá no poder ("¡Ai que infortúnio atroz! ¡Tem gente não gosta de mim! snif snif").

Mas há inúmeros outros motivos pra se votar nulo. Aliás, se essa gente q desdenha do voto nulo realmente acreditasse em democracia, deixava os nulovotantes em paz. "Quero votar nulo. ¿Dá licença!"

Mas a verdade verdadeira é q os campanhantes contra o voto nulo nunca se dignaram à consultar o Dr Plausível.

Eleição democrática nunca foi nem nunca será um "sufrágio universal": é uma espécie de estatística. Evidência disso é q nem toda a população pode votar. Portanto, é uma amostragem: uma amostragem dum corte temporal; sempre foi, desde muito antes do "um voto por cabeça". Então, ¿que diferença faz o voto nulo, se na população como um todo os nulovotantes tão distribuídos uniformemente, tal como certamente tão? Suponhamos: numa população de 1000, o candidato X é eleito por 500 votos contra 400 pro candidato Y; 100 votos foram anulados. Agora raciocine: estes 100 nulos não fazem a menor diferença, visto q a preferência do eleitorado tá claramente demarcada em 5:4 pro candidato X. Caso não houvesse nulovotantes, o X teria ganho da mesma forma, só q por 555 à 444.

Sobra 1 voto, certamente do Dr Plausível, q vota nulo em qqer circunstância.

02 setembro 2006

A inteligência emocional do peixe

Sesdias, um desses telejornais locais (nem me lembro qual) pichou nas telinhas uma reportagem sobre a profissão de peixeiro. Té aí, tudo bem. Cada um na sua.

Té aí. Só q o repórter perguntou a uma senhôra qual característica deveria ser valorizada num peixeiro. A dona-de-casa não vacilou:

«Ah, peixeiro tem q ser comunicativo, né?»

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Mas ¿que é q deu nessa gente? Vcs podem achar q a declaração estapafúrdia não é muito relevante, já q pode simplesmente ter partido duma pessoa estapafúrdia. Mas o Dr Plausível viu lá de longe q se tratava duma pessoa normal –e isso mostra q o vírus da hipoplausibilose pode já ter empastelado os miolos de toda a população feito papa de bebê.

Pois vejam bem: jendia, apenas com o besteirol pichado diariamente na imprensa, uma dona-de-casa pode filtrar e destilar milhares de minhoquices sobre “liderançagerenciamento pró-ativointeligência emocional” e o baralho a buatro, e sair-se com uma pérola q faria um teórico das relações humanas beijar seus pés e pedir colinho.

Jendia, qqer empresa faz testes de sociabilidade pra ver se um candidato é “comunicativo” e “pró-ativo” e o cacete. Logo-logo, um peixeiro de primeira linha talvez não consiga emprego por não olhar nos olhos do entrevistador e não desenhar uma pizza redondinha “q represente sua personalidade”. Bleargh.

Essas receitas prontas de sucesso vêm transformando o mundo num cocozão, ¿não é verdade? Admite.