Difícil achar um adulto q não tenha se perguntado o qualoporquê de haver dois sexos na natureza. O cara vê os lindos mares, rios, campos e montanhas borbulhando de sexualidade pra cima e pra baixo numa fodeção imparável entre os dois sexos, vesgueia os olhos e indaga, "Mas ¿por que DOIS? ¿Por que não três?" E, mais à propósito, ¿por que não apenas um?: se o objetivo da sexualidade é a (auto-)reprodução, ¿por que a auto-fertilização e a partenogênese são tão raras?
Ou talvez a pergunta tenha q ser reformulada. Vejam esta: ¿Por que o sistema de dois sexos foi tão bem sucedido neste planetinha tão gostosinho? (A definição de "bem sucedido" é filosófica demais pra caber neste blogue.)
Uma hipótese recente –q faturou o Plêmio Plausível 1993– é a de q, no começo da vida aqui, a dimorfia sexual (ie, o sistema de dois sexos, Pedro Bó) vingou em organismos pluricelulares pq funcionou contra a velocidade de reprodução das bactérias e vírus, q os destruíam implacàvelmente. (Não, gente, ninguém sabe *quando* os vírus surgiram no planeta; mas nessa hipótese, surgiram manemeni junto com as bactérias, nos primórdios da vida, pq afinal dá no mesmo.) (E pra simplificar, de agora em diante, 'organismos pluricelulares' = 'plúris'; e 'vírus e bactérias' = 'vírus' –pq fica bonitinho.)
Os vírus e os plúris tão numa espécie de batalha ou corrida armamentista q já dura bilhões de anos. Os vírus se reproduzem ràpidamente, mas têm desvantagens: são microscópicos, então têm um raio de ação menor e dependem de portadores; têm "memória" curta do que já deu certo antes; e sua reprodução é simplória, mecânica e previsível, então ela não lida bem com mudanças aleatórias no meio. Já os plúris sexuados, se reproduzem mais lentamente; só q, apesar de sua maior lentidão, a relativa imprecisão do processo sexual resulta numa aleatoriedade genética entre indivíduos maior do q a q é possível produzir assexuadamente –tal como faz o vírus–, e daí uma probabilidade maior de um plúris seguir existindo como espécie, pois tá sempre no mínimo um passo ä frente da variação do vírus, q se reproduz mecânicamente.
Pois então. Quase toda a história da vida complexa neste planeta pode ser vista como essa batalha dos organismos pluricelulares contra as bactérias e vírus. Qto mais espécies diferentes de plúris houver, tanto mais eficientemente eles se escafedem dos vírus. Os plúris se diferenciaram em plantas e animais, e depois nas miríades de classes e gêneros, alimentando-se uns dos outros, à cada passo escapando da sanha assassina microscópica ininterrupta insensível empedernida mecânica do vírus. Este é o primeiro e o maior PREDADOR do plúris: é seu inimigo número um. A moralidade é necessàriamente resultante de o plúris ser a presa do vírus.
... ôpa ôpa ôpa ¿¡¿QUÊÊÊ?!? Mas ¿tás viajando, doutor? ¿Ficou bobo na corte inglesa? ¡Que salto mortal, meu caro vatso! ¿Que catso tem à ver o vírus com a moral? ¿Planta por acaso tem moral?
Ué, diria nosso efluvioso humanista, ¿não é óbvio? Não?
Vai mais devagar aê, ô, efluvioso.
Não sei se o nobre leitor já percebeu um detalhe sobre a moralidade. Todo princípio moral... peraí, dexeufrisar, TODO (¿leu bem?: todo) princípio moral é em essência um paradigma entre presas com livre-arbítrio, é um agente conglomerante de indivíduos ambulantes em perigo, é uma defesa contra um predador (concreto ou abstrato) –e é tanto mais exitoso qto melhor co-opta o próprio predador. Este, enquanto preda, é imoral e amoral: só é regulado por suas necessidades orgânicas, sua química orgânica, seus mecanismos vitais, sua lógica devastadora. O predador tbm pode ter moral, sim; mas seus comportamentos morais intra- e extra-espécie aparecem ùnicamente qdo sua sobrevivência *não* tá em jogo. Se descermos pelos inúmeros ramos correntes da moral, em direção ao passado paleocitológico, desfazendo as bifurcações todas uma à uma, chegando ao tronco primitivo, ä primeira manifestação dum pré-princípio moral originário germinativo e desencadeante, bilhões de anos antes do q Nietzsche sequer conseguiria imaginar, veremos a genitura de toda moralidade no esboço do futuro plúris, com suas moléculas vagarosamente formando um esquema de defesa bioquìmicamente colaborativo entre indivíduos parecidos. Uma parte, desprovida de liberdade espacial (o reino vegetal) encontrou meios mecânicos de resistência ao vírus. Na outra parte (o reino animal), tudo q deu certo desde então na batalha contra o vírus foi uma ampliação, uma diversificação e uma complexificação paulatinas dessa colaboração bioquímica na sopa ancestral, co-optando o reino vegetal. Mas o vírus permanece como arqui-predador, o Mal-em-si, o capeta,
pure evil, o anjo da morte, o morto-vivo q tem um completo, gélido e aterrador desprezo pela ãã "vida".
E, claro, no centro da colaboração bioquímica tava a dimorfia sexual. A resposta ä pergunta "¿por que 2 sexos?" deve ser "porque 2 é o menor número inteiro depois de 1." Na economia biológica, o 2 dos plúris é suficientemente alto e eficientemente baixo contra o 1 dos vírus.
Então, apesar de soar estapafúrdia ä enésima potência e cheia de buracos, a hipótese plausível não pode tar muito longe da verdade: a origem da moralidade tá na origem da dimorfia sexual –daí o sexo figurar tão, digamos, tão bojudamente tanto nas prescrições morais qto nas trangressões, intrigas e folclores.
Os comportamentos bioquímicos q promoveram a manutenção e evolução dos micro-plúris ancestrais são aqueles q se tornaram a moralidade; ou seja, a moralidade de hoje descende de comportamentos bioquímicos ancestrais.
Aquilo q o humano médio vê como moralidade são as inúmeras ramificações deduzíveis e induzíveis de dois eixos principais: sexo e agressão –a normatização do sexo e o controle da agressão: duas prioridades presentes deeeeesdo cafundó das tripa. A agressão original dos vírus contra os plúris, e o sexo original na relação inter-plúris. Não importa q, com a gradual complexificação da ecologia, a defesa contra agressões viróticas tenha se tornado uma defesa contra agressões entre diferentes espécies de plúris e, mais tarde, uma defesa contra agressões dentro da mesma espécie (tal como acontece entre humanos): os comportamentos "aprendidos" (ie, fixados) por meros aglomerados de células certamente se complexificaram e foram usados por organismos mais complexos, até chegarem ao despirocamento total q é a cultura humana. Tudo no humano é mais complexo e diversificado. O âmbito humano tem desde agressões escabrosas tais como um soldado invasor estuprando e degolando uma criança filha de inimigos, até agressões sutilíssimas tais como jogar um papel de bala no chão do elevador sabendo q o faxineiro do prédio vai ter q recolher.
Há quem postule q até a distinção entre sexo e agressão é falaciosa: é possível q sexo seja mesmo –tal como querem, por exemplo, algumas feministas– um tipo de agressão: isso q hoje são macho e fêmea da mesma espécie podem originalmente ter sido duas espécies de micro-organismos ligeiramente diferentes uma da outra; a agressão sexual original era o proto-macho invadindo forçosamente a proto-fêmea pra nela incubar seu dna. Muito se fala da harmonia, da interdependência e beleza na relação entre fêmea e macho, x e y, lua e sol, ying e yang, ♀ e ♂, e o caralho à quatro (!) mas é possível q na verdade a ♀ não precisaria do ♂ pra se reproduzir. Usa-se a palavra 'homem' como sinônimo de 'humanidade', mas a verdade pode ser q a mulher é q é o humano fundamental.
Daria pra ir até um pouquinho mais longe. A origem da moral não tá na origem da vida: não haveria moral alguma num planeta em q a vida consistisse dum único organismo descomunal, do tamanho desse planeta. A origem da moral é
posterior ä origem da individuação de organismos separados, autônomos porém interdependentes. A independência espacial é um marcador da moral: as plantas não têm.
Mas... mas... ¿pra quê tudo isso, doutor? Meeeesmo q tenha acontecido assim –o q é questionável–, ¿que relevância tem? ¿Que diferença faz hipotesar, ou faria saber, q a moralidade tem essa genealogia?
Ora, de novo, ¿não tá óbvio? diria o doutor, ¿preciso explicar TUDO?
Ah, tá bom; é q prometi falar tanto da origem qto do ESCOPO da moralidade; e o escopo é q é o grande pô, né?
Pra isso, é preciso distinguir sexo de agressão. Agressão é toda ação proposital física, ou de conseqüências físicas, q atrapalha teu bem-estar, tuas coisas-funcionando-normalmente, e portanto perfaz toda a gama da causação de desconfortos, incômodos, desagrados, prejuízos, violências, ferimentos, traumatismos, aleijamentos e homicídios. (Note q, em se tratando de humanos, a definição de agressões sutis [desconfortos, incômodos e desagrados] pode chegar ä beira da paranóia –tipo achar imoral "fazer pouco da religião X" ou "tirar sarro do sexo Y" ou "avacalhar a raça Z"
até mesmo qdo nenhum x, y ou z tá presente pra sofrer a "agressão". A fala tornou o macaco refém 24hs da moralidade pq, como se diz, "as palavras têm conseqüências".)
Voltando, se separarmos o q é estritamente sexo/reprodução do q é sexo
mais agressão, veremos q o escopo da moralidade na verdade não inclu
e o q é estritamente sexual, nem sequer os chamados "desvios". Todo aspecto da biologia tem uma tendência à se expandir, uma ganância; e a ganância dos códigos morais embutiu a moralidade na sexualidade com a desculpa da defesa contra os predadores sexuais e os ãã descompromissados com a reprodução (ie, os não-aliciados contra as hostes viróticas: homossexuais, abortistas, &c). Toda essa codificação do sexo promovida pelas religiões –atitudes, comportamentos, vestuário, estratificação social, a parafernália toda– em si faz parte da agressão, tanto da agressão predatória do macho contra a fêmea, qto da agressão estratégica da fêmea contra o macho. A agressão não tá no puramente sexual; tá é nos paramentos culturais q procuram idiotamente proteger a sexualidade. A intromissão das religiões e outros sistemas morais na sexualidade é na verdade contra-producente: desvia a atenção da tarefa principal, q é a batalha contra os vírus. Qto mais sexo, qto mais diversificadas forem a fodeção, a começão e a trepagem reprodutórias, tanto melhor a espécie humana se defende contra os diabinhos virais. Só q os guardiães da moral e dos bons costumes não querem nada disso. "NananinaNÃO. Bicho pode, pq bicho é bicho e não sabe ler Bíblia, não tem toda essa complexidade humana." Muita gente complexa e muita gente ãã menos complexa (e –triste notícia– há sim, viu, uma gradação entre humanos menos e mais complexos), qdo imagina como seria o mundo se liberassem geral a putaria universal não-agressiva, têm bàsicamente três pavores: sexo com menores, homossexualismo e aborto. Note, caro leitor, q todos os três pavores
brotam diretamente dum zelo pelo instinto reprodutor e resultam em objeções proibitórias.
Das três objeções, só tem plausibilidade moral aquela q diz respeito à sexo com menores. A criança é um ser muito delicado pra ser aviltado dessa forma imbecil por gente idiota. Sexo com menores é sexo + agressão, e os dois aspectos são biològicamente aviltantes: o sexo não reproduz (ou não nutre a reprodução adequadamente) e a agressão traumatiza a capacidade reprodutiva da pessoa agredida. Não é por acaso q meramente ouvir falar dum estupro de menor dói em 99% dos humanos.
Sobre a segunda objeção, seria idiota usar a visão biológica pra espezinhar o homossexualismo por sua ãã tendência à não produzir bebês. Um indivíduo q, por qqer q seja o mecanismo inerente à si, não prioriza sua reprodução é, evolutivamente, um beco sem saída, um ponto-final de ramificação. Deixa ele em paz, então, né? Na enormidade da escala biológica, ¿qual é o pobrema? Tem comida pra todo o mundo, e até os vírus entram em becos evolutivos sem saída.
A terceira objeção é biològicamente interessante: pô, qqer humanozinho novo ajuda na batalha contra o vírus, ora pois não? No entanto, a proibição do aborto não se sustenta numa espécie q elevou a moralidade à um código consciente e racional de proteção física e psicológica sistemática do indivíduo. Se é pra ser isso, então q seja, né, catso. Ao nascer (ie, ao tornar-se um ser fìsicamente autônomo), o indivíduo recebe da sociedade o reconhecimento de seu direito ao controle de seu corpo. Qqer outra pessoa, qqer ser, qqer célula, qqer molécula precisa da autorização explícita do indivíduo pra sabidamente penetrar, permanecer em, alimentar-se de, brotar em e transformar seu corpo. Alguns diriam q um câncer faz isso na maior, sem autorização. Sim, e é por isso q se dá ao indivíduo portador de câncer o direito de extirpá-lo à seu bel-prazer, mesmo q pra isso tenha q amputar parte de seu corpo. Com o aborto não é diferente. Pelo código moral de proteção sistemática do indivíduo, a mulher é a suprema autoridade sobre o interior de seu próprio corpo, òbviamente incluindo seu útero.
-------
E é isso. Por esses exemplinhos genéricos, já se vê q, qdo entendida genealògicamente, a moral demonstra ter um escopo mais restrito do q o q querem os fominhas religiosos e filosóficos de todos os cantos do planeta, q a imaginam derramada majestosamente do céu num pacote pronto. Apesar de todos seus problemas –os q mencionei aqui, os q pensei mas não mencionei, aqueles q o próprio doutor deve conhecer, e os q os leitores podem levantar– a hipótese plausível da moralidade demonstra q não é preciso postular nem pressupor uma metafísica ou uma entidade criadora sobrenatural pra explicar e esclarecer a existência da moralidade entre humanos. Basta uma genealogia.
Talvez o maior problema com a hipótese plausível da moralidade é q ela é demasiadamente simples; e a biologia, sua esbugalhante variedade e quantidade de interações, é o mais complexo fenômeno conhecido.
Por outro lado, é meio anti-climático q a hipótese plausível tenha elementos tão parecidos com os de mitos criacionais tipo adão-e-eva: casal é predado por vilão pérfido, dando origem ä humanidade; e então pode até ser q mesmo a interpretação dimórfica da origem da vida complexa de algum modo seja herdável como bagagem da consciência, como uma prisão cognitiva da qual o humano jamais conseguirá sair: a moral talvez nunca escape de ter explicações tipo adão-eva-serpente. Entretanto, a hipótese plausível arranja as coisas diferentemente. A tradicional desértica é
[adão+eva]/serpente=moral
; a plausível tá mais pra
eva/serpente=[moral]+[adão|eva].
E vc leu isso primeiro aqui.
Então, toda vez q vc ouvir um lambisgóio religioso, em sua repulsa ao nexo, afirmar q ele só não sai por aí "estuprando e matando" (!) pq é amado por um deus q ele cegamente obedece pois leu num livro q é assim q se deve agir, vc já sabe o q dizer: nananinaNÃO.
-------
Aos q até aqui chegaram, nosso extricante humanista tem mais uma palavrinha. Colaboração, empatia e justiça tão presentes em todo o reino animal. Não há empatia sem colaboração, não faz justiça quem não tem empatia. Mas ¿já viu aqueles bandos de gorilas no mato sentados com cara de tédio? ¿aqueles jacarés todos nas margens deitados olhando pro nada? ¿aqueles cardumes de sardinhas no mar indo à esmo de cá pra lá? Pois é, nunca vão chegar à lugar nenhum desse jeito, bando de preguiçosos. Os humanos podem chegar um pouco mais longe pq colheram mais um fruto cuja origem remonta ao primeiro plúris, um fruto q só poderia ter brotado depois q um primata conseguiu entender a moral racionalmente, depois q raciocinou sobre o outro: a moral da contribuição. Um besouro pode colaborar com seus iguais; uma onça pode ter empatia com um macaquinho; o humano hoje se organiza pra tentar maximizar a justiça, ou pelo menos pra hipòcritamente aparentar isso, ou caminhar nessa direção. Mas... os mais complexos e completos humanos de hoje já nascem naturalmente com mais este requinte da moral: a pulsão de contribuir, de se dar ao trabalho de dar um passo à mais pra jogar um papel no lixo, perder dois segundos segurando uma porta pra outra pessoa, abrir a janela pruma borboleta sair, desviar-se polidamente de outros transeuntes na rua, ouvir ipod baixinho com fone de ouvido qdo em público, salvar velhinhos em incêndios, deixar os outros serem como são, coisas do tipo. A contribuição é a justiça empática colaborativa q um grande gênio pode usar com um mongolóide, e vice-versa.
Muitos anos atrás, uma enorme agência de publicidade alemã contratou nosso doutor como consultor pruma campanha de segurança nas
autobahnen. A sugestão doutoral, tìpicamente plausível, foi de fazer anúncios com um bruto acidente de trânsito espalhando sangue e pedaços de corpo pra todo lado e, atrás, um monstruoso congestionamento causado pelo acidente; o eslôgã: "Não atrapalhe a vida dos outros. Evite acidentes." Passou despercebida a piada de intimar a contribuição de não intimar contribuições. Paciência. Talvez daqui à 10 mil anos.
----
(contribuiu: Bel Seslaf)